Dixit insipiens in corde suo: non est Deus.
I
Sai das nuvens, levanta a fronte e escuta
O que dizem teus filhos rebelados,
Velho Jeová de longa barba hirsuta,
Solitário em teus Céus acastelados:
« — Cessou o império enfim da força bruta!
Não sofreremos mais, emancipados,
O tirano, de mão tenaz e astuta,
Que mil anos nos trouxe arrebanhados!
Enquanto tu dormias impassível,
Topámos no caminho a liberdade
Que nos sorrio com gesto indefinível...
Já provámos os frutos da verdade...
Ó Deus grande, ó Deus forte, ó Deus terrível.
Não passas d'uma vã banalidade! — »
II
Mas o velho tirano solitário,
De coração austero e endurecido,
Que um dia, de enjoado ou distraido,
Deixou matar seu filho no Calvário,
Sorriu com rir extranho, ouvindo o vario
Tumultuoso côro e alarido
Do povo insipiente, que, atrevido,
Erguia a voz em grita ao seu sacrário:
« — Vanitas vanitatum! (disse). É certo
Que o homem vão medita mil mudanças,
Sem achar mais do que erro e desacerto.
Muito antes de nascerem vossos pais
D'um barro vil, ridículas crianças,
Sabia em tudo isso... e muito mais! — »
Antero de Quental
quinta-feira, 22 de fevereiro de 2007
Disputa em família
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Antero de Quental
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