terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Sonetos

Soneto é um poema de forma fixa, composto por 14 versos.


Ao que tudo indica, o soneto - do italiano sonetto, pequena canção ou, literalmente, pequeno som - foi criado no começo do século XIII, na Sicília, onde era cantado na corte de Frederico II da mesma forma que as tradicionais baladas provençais.


Alguns atribuem a invenção do soneto a Jacopo da Lentini (conhecido como Jacopo Notaro, após receber o título «Jacobus de Lentino domini imperatoris notarius» ) - poeta siciliano e imperial de Frederico II, que surgiu como uma espécie de canção ou de letra escrita para música, possuindo uma oitava e dois tercetos, com melodias diferentes.

O número de linhas e a disposição das rimas permaneceu variável até que um poeta de Santa Firmina, Guittone D'Arezzo, tornou-se o primeiro a adotar e aderir definitivamente àquilo que seria reconhecido como a melhor forma de expressão de uma emoção isolada, pensamento ou idéia: o soneto.


Durante o século XIII, Fra Guittone, como era conhecido, criou o soneto guitoniano, padronizado, cujo estilo foi empregado por Petrarca e Dante Alighieri, com pequenas variações. Tais sonetos são obras marcantes, se considerarmos as circunstâncias em que eles surgiram.


Coube ao fiorentino Francesco Petrarca aperfeiçoar a estrutura poética iniciada na Sicília, difundindo-a por toda a Europa em suas viagens. Sua obra engloba 317 sonetos contidos no "Il Canzoniere", a coletânea de poesia que exerceu influência sobre toda a literatura ocidental. As melhores poesias desse livro são dedicadas a Laura de Novaes, por quem possuía um amor platónico. Destacam-se os recursos metafóricos e o lirismo erótico dos sonetos.


Dante Alighieri, o autor da consagrada A Divina Comédia, e também um seguidor de Guittone, em sua infância já compunha sonetos amorosos. Seu amor impossível por Beatriz (provavelmente Beatrice Portinari) foi imortalizado em vários sonetos em "Vita Nuova", seu primeiro trabalho literário de grande importância.


Graças a uma viagem que fez para a Itália em 1551, o poeta português Sá de Miranda regressando em 1526, trouxe para Portugal uma nova estética, introduzindo pela primeira vez o Soneto, a canção, a sextina, as composições em tercetos e em oitavas e os versos de dez sílabas, conhecidos como decassílabos.


Anos se passaram até que dois ícones da literatura mundial, um português e um inglês, deram ao Soneto, cada um ao seu modo, o toque de mestre: Luís Vaz de Camões e William Shakespeare.

Camões é considerado o maior poeta clássico da Literatura Moderna.


Frequentou a nobreza em Portugal, toma parte em diversas expedições militares, mas foi exilado por suas posições políticas. Passou alguns anos na prisão, de onde saiu com "Os lusíadas", uma obra que o colocou entre os maiores poetas mundiais de todos os tempos. Apesar disso, morreu pobre. Escreveu diversos sonetos, tendo o amor como tema principal.

Shakespeare, além de teatrólogo, desenvolveu uma habilidade única na poesia. O seu soneto, o soneto inglês, é composto por três quartetos e um dístico, diferente da composição original de Petrarca. O mais célebre dos escritores ingleses escreveu diversos poemas, alguns deles recheados de metáforas.


Desde então, o soneto adquiriu importância ao redor do mundo, tornando-se a melhor representação da poesia lírica. Alguns casos são notáveis: o poeta russo Aleksandr Pushkin compôs Eugene Onegin, um poema repleto de sonetos adotado por Tchaikovsky para compor uma de suas óperas; o francês Charles Baudelaire ajudou a divulgar os versos alexandrinos em Les Fleurs du Mal. Até Vivaldi usou-se de sonetos.


E por falar em versos alexandrinos, utilizados por muitos sonetistas, eles remontam - segundo alguns dicionários da língua portuguesa - a uma obra francesa do século XII chamada Le Roman d'Alexandre, versos de doze sílabas poéticas. Porém, os dicionários da língua espanhola - apesar de apontarem para a mesma origem - insistem em afirmar que os versos alexandrinos são aqueles que contêm quatorze sílabas gramaticais.

Finalmente, após aderir ao humanismo e ao estilo barroco, o poema dos catorze versos acabou sendo desprezado pelos iluministas. No século XIX, ele voltou a ser cultivado, com mais fervor, por românticos, parnasianos e simbolistas, sobrevivendo ao verso livre do modernismo - que viria em seguida - até aos dias atuais.


sábado, 22 de dezembro de 2007

Sempre a Razão vencida foi de Amor

Sempre a Razão vencida foi de Amor;
Mas, porque assim o pedia o coração,
Quis Amor ser vencido da Razão.
Ora que caso pode haver maior!

Novo modo de morte e nova dor!
Estranheza de grande admiração,
Que perde suas forças a afeição,
Por que não perca a pena o seu rigor.

Pois nunca houve fraqueza no querer,
Mas antes muito mais se esforça assim
Um contrário com outro por vencer.

Mas a Razão, que a luta vence, enfim,
Não creio que é Razão; mas há-de ser
Inclinação que eu tenho contra mim.

Luís Vaz de Camões

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Se me vem tanta glória só de olhar-te

Se me vem tanta glória só de olhar-te,
ă pena desigual deixar de ver-te;
Se presumo com obras merecer-te,
Grão paga de um engano é desejar-te.

Se aspiro por quem és a celebrar-te,
Sei certo por quem sou que hei-de ofender-te;
Se mal me quero a mim por bem querer-te,
Que prémio querer posso mais que amar-te?

Porque um tão raro amor não me socorre?
Ó humano tesouro! Ó doce glória!
Ditoso quem à morte por ti corre!

Sempre escrita estarás nesta memória;
E esta alma viverá, pois por ti morre,
Porque ao fim da batalha é a vitória.

Luís Vaz de Camões

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Quem vê, Senhora, claro e manifesto

Quem vê, Senhora, claro e manifesto
O lindo ser de vossos olhos belos,
Se não perder de vista só em vê-los,
Já não paga o que deve a vosso gesto.

Este me parecia preço honesto;
Mas eu, por de vantagem merecê-los,
Dei mais a vida e alma por querê-los,
Donde já não me fica mais de resto.

Assim que a vida e alma e esperança,
E tudo quanto tenho, tudo é vosso,
E o proveito disso eu só o levo.

Porque é tamanha bem-aventurança
O dar-vos quanto tenho e quanto posso,
Que, quanto mais vos pago, mais vos devo.

Luís Vaz de Camões