quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Soneto 30

Marília, se em teus olhos atentara
Do esterífero sólio reluzente,
Ao vil mundo outra vez o omnipotente,
O fulminante Júpiter baixara.

Se o Deus, que assanha as Fúrias, te avistara
As mãos de neve, o colo transparente,
Suspirando por ti, o caos ardente
Surgira à luz do dia e te roubara.

Se ao ver-te de mais perto o sol descera,
No áureo carro veloz dando-te assento,
Até da esquiva Dafne se esquecera.

E, se a força igualasse o pensamento,
Ó alma da minha alma, eu te of'recera
Com ela a terra, o Mar e o Firmamento.

Bocage in «Obra Completa Volume I - Sonetos», Ed. Caixotim

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Soneto 65

Se ao bronze, à pedra, ao solo, ao mar ingente,
Lhes vem a Morte o seu poder impor,
Como a beleza lhe faria frente
Se não possui mais forças que uma flor?

Com um hálito de mel pode o verão
Vencer o assédio pertinaz dos dias,
Quando infensas ao Tempo nem serão
As portas de aço e as ínvias penedias?

Atroz meditação! como esconder
Da arca do Tempo a jóia preferida?
Que mão lhe pode os ágeis pés deter?

Quem não lhe sofre o espólio nesta vida?
Nada! a não ser que a graça se consinta
De que viva este amor na negra tinta.

William Shakespeare - Tradução de Ivo Barroso

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A frouxidão no amor é uma ofensa

A frouxidão no amor é uma ofensa,
Ofensa que se eleva a grau supremo;
Paixão requer paixão, fervor e extremo;
Com extremo e fervor se recompensa.

Vê qual sou, vê qual és, vê que diferença!
Eu descoro, eu praguejo, eu ardo, eu gemo;
Eu choro, eu desespero, eu clamo, eu tremo;
Em sombras a razão se me condensa.

Tu só tens gratidão, só tens brandura,
E antes que um coração pouco amoroso
Quisera ver-te uma alma ingrata e dura.

Talvez me enfadaria aspecto iroso,
Mas de teu peito a lânguida ternura
Tem-me cativo e não me faz ditoso.

Bocage

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Soneto 15

Não, Marília, teu gesto vergonhoso,
A luz dos olhos teus serena e pura,
teu riso, que enche as almas de ternura,
Agora meigo, agora desdenhoso;

Tua cândida mão, teu pé mimoso,
Tuas mil perfeições crer que a Ventura
As guarda para mim, fora loucura:
Nem sou digno de ti, nem sou ditoso;

E que mortal, enfim, que peito humano
Merece os braços teus, ó ninfa amada?
Que Narciso? Que herói? Que soberano?

Mas que lê minha mente iluminada!...
Céus!... Penetro o futuro!...Ah! Não me engano:
De Jove para o toro estás guardada.

Bocage in «Obra Completa Volume I - Sonetos», Ed. Caixotim

terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Onde acharei lugar tão apartado

Onde acharei lugar tão apartado
E tão isento em tudo da ventura,
Que, não digo eu de humana criatura,
Mas nem de feras seja frequentado?

Algum bosque medonho e carregado,
Ou selva solitária, triste e escura,
Sem fonte clara ou plácida verdura,
Enfim, lugar conforme a meu cuidado?

Porque ali, nas entranhas dos penedos,
Em vida morto, sepultado em vida,
Me queixe copiosa e livremente;

Que, pois a minha pena é sem medida,
Ali triste serei em dias ledos
E dias tristes me farão contente.

Luís Vaz de Camões

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

Soneto 130

Não tem olhos solares, meu amor;
Mais rubro que seus lábios é o coral;
Se neve é branca, é escura a sua cor;
E a cabeleira ao arame é igual.

Vermelha e branca é a rosa adamascada
Mas tal rosa sua face não iguala;
E há fragrância bem mais delicada
Do que a do ar que minha amante exala.

Muito gosto de ouvi-la, mesmo quando
Na música há melhor diapasão;
Nunca vi uma deusa deslizando,

Mas minha amada caminha no chão.
Mas juro que esse amor me é mais caro
Que qualquer outra à qual eu a comparo.

William Shakespeare - Tradução do site www. starnews2001.com.br/sonnets.html

Soneto 17

Marília, nos teu olhos buliçososos
Amores gentis seu facho acendem,
A teus lábios voando, os ares fendem
Terníssimos desejos sequiosos.

Teus cabelos subtis e luminosos
Mil vistas cegam, mil vontades prendem,
E em arte aos de Minerva se não rendem
Teus alvos, curtos dedos melindrosos.

Reside em teus dedos a candura,
Mora a firmeza no teu peito amante,
A razão com teus risos se mistura;

És dos céus o composto mais brilhante:
Deram-se as mãos Virtude e Formosura
Para criar tua alma e teu semblante.

Bocage in «Obra Completa Volume I - Sonetos», Ed. Caixotim

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Soneto 9

Voa a Lília gentil meu pensamento
Nas asas de esperanças sequiosas;
Amor, à frente de ilusões ditosas,
O chama e lhe acelera o movimento.

Ígneo desejo audaz, que em mim sustento,
Mancha o puro candor das mãos mimosas,
Os olhos cor dos céus, a tez de rosas,
E o mais, onde a ventura é um momento.

Eis que pesada voz, terrível grito
Soa em minha alma, o coração me oprime,
E austero me recorda a lei e o rito.

Devo abafar-te, amor, paixão sublime?
Ah! Se amar como eu amo é um delito
Lília formosa aformoseia o crime.

Bocage in «Obra Completa Volume I - Sonetos», Ed. Caixotim