domingo, 27 de maio de 2007

Antero de Quental (1842 - 1891)


Antero Tarquínio de Quental nasceu em Ponta Delgada, na ilha de S. Miguel - Açores, no dia 18 de Abril de 1842.

Em 1852, com 13 anos, vem com a sua mãe, para Lisboa.

Desde jovem que se destacou pelas opiniões revolucionárias e pela forma de estar na vida.
Lutador e muito congruente com os seus ideais socialistas.

Antero de Quental espalhou saber pela poesia, filosofia e política.

Em Julho de 1858 matriculou-se na Faculdade de Direito, de Coimbra, onde brilhou como líder estudantil. Concluiu o curso em Julho de 1864.

Em 1865, foi um dos principais envolvidos na polémica conhecida por Questão Coimbrã, em que humilhou António Feliciano de Castilho, seu antigo professor e crítico literário.
A polémica só terminou com um duelo entre Antero de Quental e Ramalho Ortigão travado, a 6 de Fevereiro de 1866, no Jardim de Arca d'Água, no Porto, que se saldou por ferimentos ligeiros.

Ainda em 1866 foi viver em Lisboa, onde experimentou a vida de operário, trabalhando como tipógrafo. Uma profissão que exerceu também em Paris, em Janeiro e Fevereiro de 1867. Em 1868 regressou a Lisboa, onde formou o Cenáculo, de que fizeram parte, entre outros, Eça de Queirós e Ramalho Ortigão.


Foi o guia espiritual da geração de 70, um agitador político a “tempo inteiro”, que se afirmou pelo desejo de intervenção e renovação da vida política e cultural portuguesa.


Em 1874 adoeceu de psicose maníaco-depressiva (doença bipolar), que desde então o afligiu. Foi convidado pelo Partido Republicano para candidatar-se como deputado, mas teve de recusar.

Antero de Quental herdou em 1873 uma quantia considerável de dinheiro, o que lhe permitiu viver desafogadamente, dos rendimentos dessa fortuna.

Em 1890, devido à reacção nacional contra o ultimato inglês, de 11 de Janeiro, aceita presidir à Liga Patriótica do Norte, mas a existência da Liga é efémera.
Quando regressou a Lisboa, em Maio de 1891, instalou-se em casa da irmã, Ana de Quental. Neste momento o seu estado de depressão era permanente. Passado um mês, em Junho de 1891, regressa a Ponta Delgada, acabando por suicidar-se dia 11 de Setembro de 1891, com um tiro na cabeça, disparado num banco de jardim.

Para Antero de Quental, os ideais da fraternidade e solidariedade não poderiam ser em vão. Foi dos primeiros a trazer o socialismo, o republicanismo e o marxismo para a discussão pública.

A SUA OBRA

A poesia de Antero de Quental apresenta três faces distintas:

A das experiências juvenis, em que coexistem diversas tendências
A da poesia militante, empenhada em agir como “voz da revolução”
E a da poesia de tom metafísico, voltada para a expressão da angustia de quem busca um sentido para a existência.

A oscilação entre uma poesia de combate, dedicada ao elogio da acção e da capacidade humana, e uma poesia intimista, direcionada para a análise de uma individualidade angustiada, parece ter sido constante na obra madura de Antero de Quental.


OS SONETOS

Antero de Quental atinge um bom grau de elaboração nos seus sonetos, que são considerados dos melhores da língua portuguesa e comparados aos de Camões e aos de Bocage.

Há, na verdade, alguns pontos comuns (estilísticos e temáticos) entre estes três poetas:

Os sonetos de Antero de Quental têm um inegável sabor clássico, quer na adjectivação e na sua musicalidade equilibrada, quer na análise das questões universais que afligem o homem.



Sonetos de Antero de Quental

À virgem santíssima
Abnegação
Acordando
Ad Amicos
A fada negra
A idéia
A João de Deus
Amaritudo
Amor Vivo
Anima Mea
Aparição
A Santos Valente
Aspiração
A Sulamisa
A uma mulher
A um crucifixo
A um poeta
Com os mortos
Comunhão
Consulta
Contemplação
Das Unnennbare
Desesperança
Despondency
Diálogo
Disputa em família
Divina Comédia

Elogio da morte
Em viagem
Enquanto outros combatem
Entre Sombras
Espectros
Espiritualismo
Estoicismo
Evolução
Hino à razão
Hino da manhã
Homo
Ideal
Idílio

Ignoto Deo
Ignotus
Jura
Justitia Mater
Mais luz !
Lacrimae Rerum
Lamento
Logos
Luta
Mãe
Mea culpa
Metempsicose
Mors-Amor
Mors Liberatrix
Na capela
Na mão de Deus
Não me fales de glória: é outro o altar
Não busco n`esta vida glória ou fama
Nirvana
No céu, se existe um céu para quem chora
No circo
No turbilhão
Noturno

Nox
Oceano Nox
O convertido
O inconsciente
O palácio da ventura
Os captivos
O que diz a morte
Os vencidos
Palavras dum certo morto
Pequenina
Porque descrês, mulher, do amor, da vida
Poz-te Deus sobre a fronte a mão piedosa
Psalmo
Quia aeternus
Quinze anos
Redenção
Se comparo poder ou ouro ou fama
Se é lei, que rege o escuro pensamento
Sempre o futuro, sempre ! E o presente
Sepultura romântica
Só ! - Ao ermita sozinho na montanha
Solemnia Verba
Só males são reais, só dor existe
Sonho
Sonho Oriental
Tese e antítese
Tormento do ideal
Transcendentalismo
Uma amiga
Velut Umbra
Visão
Visita
Voz do Outono
Voz interior

Este artigo publica-se sob a licença GNU, baseado num artigo da Wikipédia (adaptado).

terça-feira, 15 de maio de 2007

A fada negra

Uma velha de olhar mudo e frio,
De olhos sem cor, de lábios glaciais,
Tomou-me nos seus braços sepulerais.
Tomou-me sobre o seio ermo e vazio.

E beijou-me em silêncio, longamente,
Longamente me uniu à face fria...
Oh! como a minha alma se estorcia
Sob os seus beijos, dolorosamente!

Onde os lábios pousou, a carne logo
Mirrou-se e encaneceu-se-me o cabelo,
Meus ossos confrangeram-se. O gelo
Do seu bafo secava mais que o fogo.

Com seu olhar sem cor, que me fitava,
A Fada negra me qualhou o sangue.
Dentro em meu coração inerte e exangue
Um silêncio de morte se engolfava.

E volvendo em redor olhos absortos,
O mundo pareceu-me uma visão,
Um grande mar de nevoa, de ilusão,
E a luz do sol como um luar de mortos...

Como o espectro d'um mundo já defunto,
Um farrapo de mundo, nevoento,
Ruina aerea que sacode o vento,
Sem cor, sem consistencia, sem conjunto...

E quanto adora quem adora o mundo,
Brilho e ventura, esperar, sorrir,
Eu vi tudo oscilar, pender, cair,
Inerte e já da cor d'um moribundo.

Dentro em meu coração, n'esse momento,
Fez-se um buraco enorme — e n'esse abismo
Senti ruir não sei que cataclismo,
Como um universal desabamento...

Razão! velha de olhar agudo e cru
E de halito mortal mais do que a peste!
Pelo beijo de gelo que me deste,
Fada negra, bemdita sejas tu!

Bendita sejas tu pela agonia
E o luto funeral d'aquela hora
Em que eu vi baquear quanto se adora,
Vi de que noite é feita a luz do dia!

Pelo pranto e as torturas benfazejas
Do desengano... pela paz austera
D'um morto coração, que nada espera,
Nem deseja tambem... bendita sejas!

1860 — 1862 Antero de Quental

domingo, 13 de maio de 2007

Soneto 92

Faz teu pior pra mim te afastares,
Enquanto eu viva tu és sempre meu,
Não há mais vida se tu não ficares,
Pois ela vive desse amor que é teu.

Por que hei de temer grande traição
Se tem fim minha vida com a menor;
De vida abençoada eu sou, então,
Por não estar preso ao teu cruel humor.

Tua mente inconstante não me afeta,
Minha vida é ligada à tua sorte;
Como é feliz o fato que decreta
Que sou feliz no amor, feliz na morte!

Porém que graça escapa de temer?
Podes ser falso e eu sequer saber.

William Shakespeare traduzido no site www. starnews2001.com.br

Soneto 91

Alguns cantam seu berço, alguns talento,
Alguns riqueza, alguns seu corpo são,
Alguns as vestes, mesmo de um momento,
Alguns o seu falcão, cavalo ou cão;

Toda emoção traz seu próprio prazer,
Que uma grande alegria neste tem;
Mas não sei desse meu gáudio fazer,
Pois eu supero a todos com um só bem.

Mais que berço pra mim é o teu amor,
Mais rico que a riqueza, que tecido,
Maior do que animal é o teu valor;
Tendo a ti sou por tudo envaidecido:

Sou desgraçado só no tu poderes
Levando tudo, infeliz me fazeres.

William Shakespeare, traduzido no site www. starnews2001.com.br

Soneto 35

Não chores mais o erro cometido;
Na fonte, há lodo; a rosa tem espinho;
O sol no eclipse é sol obscurecido;
Na flor também o inseto faz seu ninho;

Erram todos, eu mesmo errei já tanto,
Que te sobram razões de compensar
Com essas faltas minhas tudo quanto
Não terás tu somente a resgatar;

Os sentidos traíram-te, e meu senso
De parte adversa é mais teu defensor,
Se contra mim te excuso, e me convenço
Na batalha do ódio com o amor:

Vítima e cúmplice do criminoso,
Dou-me ao ladrão amado e amoroso.

William Shakespeare, traduzido no site www. starnews2001.com.br

sexta-feira, 11 de maio de 2007

Soneto 116

De almas sinceras a união sincera
Nada há que impeça: amor não é amor
Se quando encontra obstáculos se altera
Ou se vacila ao mínimo temor.

Amor é um marco eterno, dominante,
Que encara a tempestade com bravura;
É astro que norteia a vela errante
Cujo valor se ignora, lá na altura.

Amor não teme o tempo, muito embora
Seu alfanje não poupe a mocidade;
Amor não se transforma de hora em hora,

Antes se afirma, para a eternidade.
Se isto é falso, e que é falso alguém provou,
Eu não sou poeta, e ninguém nunca amou.

William Shakespeare - Tradução de Bárbara Heliodora

O ledo passarinho, que gorjeia

O ledo passarinho, que gorjeia
D'alma exprimindo a cândida ternura,
O rio transparente, que murmura,
E por entre pedrinhas serpenteia:

O Sol, que o céu diáfano passeia,
A Lua, que lhe deve a formosura,
O sorriso da aurora alegre e pura,
A rosa, que entre os zéfiros ondeia;

A serena, amorosa Primavera,
O doce autor das glorias que consigo,
A deusa das paixões, e de Cítera:

Quanto digo, meu bem, quanto não digo,
Tudo em tua presença degenera,
Nada se pode comparar contigo.

Bocage